domingo, 7 de março de 2010

A Torre e a Sacerdotisa no mundo de Narciso.

Estava então fazendo sua passagem. As lágrimas não eram mais as mesmas, nem tampouco, os tempos idos. Os pesos de cada coisa agora tinham a tessitura da vivencia que o acompanhara. Não dava pra saber se por isso as coisas eram mais densas, mais cheias de contradições, mas sabia que tudo tinha um motivo. Uma sensação de jornada, de epopéia lhe acompanhava desde criança, então isso não havia mudado. Deitado no chão do banheiro, deixando o chuveiro desmantelar-se em poucos pingos, abandonava aquelas lágrimas estranhas, que desconhecia por sua maneira de brotarem. Naquela vontade que talvez seja o seu núcleo, a sua entranha, o seu fundo, buscava reconhecer tais lágrimas, curiosidade inutil, só gerava apenas mais algumas pingos, feito os textos que escrevia esporadicamente. Era hora de levantar.
Mal enxugado, pois-se no espelho, e só via uma superfície branca no lugar do reflexo. Meio sem entender, o que teria feito aquele sal mole com seus olhos, parou apenas e respirou. De olhos fechados o branco do espelho, do não reflexo lhe abatia, o que fazer com tudo aquilo vivido, com toda a sorte de sentimento e de desprendimento, de fuga e de enfretamento, que havia passado? Qual seria o final da jornada, tão grande e tão extensa, que só podia ser sua ultima vida na terra, seu ultimo aprendizado, talvez por isso o mais difícil.
Pensamentos difíceis aqueles, cheios de redemoinhos, como aquela sua barba por fazer. Uma imensidão de palavras pulavam de um lado para o outro, como se quisessem escapar ilesas de tais tentativas, de tentar entender, de tentar entender. O banheiro era um lugar de coisas intimas, bonitas e feias, mas era o lugar reservado pra nudez. E nu, despido de qualquer farsa, atinava com seus botões imaginários como seria se fazer inverter. Mostrar toda a força que tinha por dentro,sem se esmaecer por fora, mas sim, se tornar vivedouro ao vento. Sem nenhum intuito de se tornar um mártir, um revolucionário, um líder, um popstar, mas alguém tão alguém que ninguém saberia por onde começaram aquelas mudanças que queria pro mundo, e que já sentia dentro de si.
Levado pela palavra caida, enxugou-se na toalha recolhida do chão, fechando os olhos. Pensou fundo, tentando achar aonde por dentro, tentando ver por meio de reza, aonde é que nascem nossas lágrimas, por onde brota o líquido. Imaginava com todas as forças, que essa seria a ultima lágrima, que restauraria tudo dentro de si, sendo capaz até de alterar aquela brancura seca que via no espelho. Aquela ultima lágrima o libertaria do passado, e o faria reflexo de si, com aquilo que ele tivesse se tornado. Com qual cor pintaria o espelho a derradeira foz? Desconfiava que era apenas um daltônico da alma, já com um alto e leve sorriso.
Imaginou o liquido brotando, em um pequeno canal, atrás de seu olho, e sentiu devagar pequenos sulcos que levam tal lágrima a despencar do olho. Algo ardia, algo aliviava. E ela veio, triste de tanta sede de felicidade, que inundou o globo ocular e caiu rápida, atingindo rápidamente o queixo, em um deslizar perfeito pela bochecha. Abriu os olhos, primeiro viu tudo um tanto azulado, quase como um negativo de foto, e o foco aos poucos foi também trazendo as outras cores e o espelho congelou naquela primeira imagem depois de atingida a gota d´água, por quanta sorte era estar vivo, assim, nu, com seus olhos vermelhos e sua cara de espanto. Os olhos apenas relaxaram um pouco, ao ver que tudo é como sempre foi, reconhecendo sua nova forma. Olhando no espelho, era só mais alguém chorando. E que agora se via. De fronte a tudo que desejava ardentemente pra vida. Solto, renascido, era mais uma mina de um recomeço de alma para si mesmo. Vazante, assim, algum futuro possível. Olhou calmo para as prateleiras do banheiro e soube a primeira ação depois de tudo.

Era um pouco de colonia de alfazema para o novo rumo que acabara de nascer.

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